Reestruturação consular (7): França

A rede consular portuguesa em França é a mais visada pela proposta de reforma consular da secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP), com particular incidência para os postos consulares situados ao longo do eixo rodoviário – a SECP chama-lhe a “tripa” – que atravessa toda a França, de Sul até Norte, ligando Toulouse a Lille quase que em linha recta, numa distância de 900Km. Esta foi a rota preferida pela emigração portuguesa durante muitas décadas, ao longo da qual se foram fixando milhares de emigrantes portugueses que se juntaram em grandes comunidades sobretudo em torno de cidades como Toulouse, Tours, Orleães, Paris ou Lille. Além dos postos situados nas áreas referidas, também os consulados em Clermond-Ferrand e Nantes constam do plano de reforma consular do governo.
A proposta envolve quatro situações distintas, devendo considerar-se duas delas positivas e outras duas negativas. Propostas positivas: (i) fusão dos consulados de Nogent-sur-Marne e Versalhes com o consulado-geral em Paris; (ii) reclassificação dos consulados de Nantes e Clermond-Ferrand em vice-consulados. Propostas negativas: (iii) extinção do consulado em Lille; (iv) transformação do Consulado-Geral de Toulouse e dos consulados de Tours e Orleães em consulados honorários.

A primeira situação (i)
A actual rede consular portuguesa em França tem sido mantida apenas na base de pressupostos de ordem emocional, que assentam numa percepção folclórica da nossa política consular. Ela reflecte a crise identitária das políticas de emigração dos sucessivos governos. Está pois na hora de mudarmos de postura e desenvolvermos uma linha de acção consular mais racional. Não se pode exigir ao Estado que continue a suportar financeiramente a manutenção de três consulados na área parisiense, particularmente um pequeno país como o nosso não pode dar ares de grandeza sobretudo em tempo de vacas magras. Versalhes dista de Paris 24km e Nogent-sur-Marne fica a apenas 14 km da capital francesa. É por demais evidente que qualquer pessoa minimamente séria aceitará esta proposta como razoável. A única inquietação prende-se com as possíveis dificuldades que possam ser sentidas pelo consulado-geral em Paris se o mesmo não for previamente alvo de acções de reorganização interna e introdução de novos métodos de trabalho. Creio que os responsáveis estarão cientes desta inevitabilidade.

A segunda situação (ii)
Particularmente em tempos de crise, o redimensionamento de estruturas demasiado rígidas e caras em unidades mais pequenas e melhor organizadas, desde que apetrechadas de um quadro de pessoal competente e dinâmico capaz de dar continuidade de resposta às necessidades consulares das comunidades que servem, parece ser uma boa solução. Portanto, a reconversão dos consulados de Nantes e Clermond-Ferrand em vice-consulados é uma decisão que não merece qualquer contestação. Aliás, o consulado em Clermont-Ferrand há muito que não tem cônsul e o serviço prestado não se ressentiu por falta dele.

A terceira situação (iii)
A supressão pura e simples do consulado em Lille parece-me ser uma má decisão. Este posto consular serve uma população de cerca de 48000 portugueses, dos quais 30000 são activos, e está dotado de um quadro de pessoal constituído por 1 cônsul, 1 chanceler, 4 administrativos e 1 contínuo. Deste grupo de pessoal, 1 administrativo e o contínuo estão no limiar dos 65 anos, portanto praticamente na reforma. Em 2006, o consulado praticou 5600 actos consulares (recorde-se que a acção consular não se esgota na mera execução de actos de carácter administrativo). A concretizar-se a proposta do governo, os emigrantes desta área de jurisdição irão engrossar ainda mais a massa de utentes que acorrerão ao consulado-geral de Paris, que dista de Lille 226 km. Trata-se portanto de um erro crasso o encerramento deste consulado. A solução adequada deverá passar pela manutenção em Lille de pelo menos um escritório consular dependente de Paris.

A quarta situação (iv)
A transformação do consulado-geral de Toulouse e dos consulados de Tours e Orleães em consulados honorários, é outra má aposta do plano de reforma consular anunciado. Como já foi dito, os consulados honorários não estão vocacionados para a prestação de serviço administrativo e mesmo que o governo lhes atribua excepcionalmente algumas competências na área do registo, do notariado ou da emissão de documentos, estes nunca se assumirão como alternativa credível a uma estrutura de carreira profissional, que funcione como uma verdadeira extensão dos serviços da administração pública portuguesa.
Para melhor compreensão da dimensão da asneira que o governo vai cometer com a substituição deste postos de carreira por estruturas honorárias, destaque-se a importante actividade consular de carácter administrativo que tem sido desenvolvida por estes três consulados. O consulado-geral em Toulouse presta apoio a uma comunidade de cerca de 50000 portugueses (45000 activos), o quadro de pessoal é constituído por cônsul, vice-cônsul e 8 administrativos, tendo praticado 11000 actos consulares no ano transacto. É de todo incompreensível a substituição do mesmo por um consulado honorário. Exige-se por isso uma melhor ponderação da decisão a tomar, podendo-se aceitar com alguma razoabilidade a reclassificação do mesmo em vice-consulado, a exemplo dos consulados em Nantes e Clermond-Ferrand.
Por último, no que respeita aos consulados em Tours e Orleães, são postos de dimensão e volume de actividade muito idênticos. O consulado em Tours dista de Paris 240Km, não tem cônsul, o quadro de pessoal é constituído por 1 chanceler e 5 administrativos, serve 71000 portugueses (40000 activos) e em 2006 praticou 8300 actos consulares. Quanto ao consulado em Orleães (124km de Paris) há vários anos que não tem cônsul, o quadro actual de pessoal tem 1 chanceler e 3 administrativos, serve uma comunidade de 40000 pessoas (30000 activas) e no ano de 2006 praticou 8800 actos consulares. Perdoem-me o excesso, mas tratar-se-á de uma burrice converter estes consulados de carreira em postos honorários. Uma solução satisfatória nestes dois casos seria a reclassificação das estruturas em agências consulares.

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